MINHA QUASE AUTOBIOGRAFIA DESAUTORIZADA.





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Nasci em Angola, país austral do continente africano, em 5 de janeiro de 1967. Era então colônia de Portugal. Este é meu aniversário! Minha terra natal, onde cresci até aos 11, é um recanto agradável dos belos rincões desse país: muitas fazendas de café, gado e toda a sorte de frutas e vegetais da terra. Verdadeiros safaris naturais, de fato cresci entre animais domésticos, selvagens e silvestres como bois, ovelhas, porcos, galinhas, cabras, coelhos, elefantes, búfalos, leopardos, gazelas, hipopótamos, etc. Conheço e convivi com todos estes animais e raras aves da flora africana!

Meu pai, António Zengo, era um desafeto dos portugueses nesse tempo, e para os padrões do tempo, homem de posses e muito prestígio social. Amante da guerra da resistência angolana, fabricava armas em suas próprias mercenarias para apoiar a guerra dos combatentes. Protestante e com inclinação política, desistiu da fé e da música que aprendia com os missionários ingleses para tentar carreira de professor ainda na juventude. Esta era a carreira de maior prestígio social que se podia imaginar. Professor não era só reverenciado, mas venerado! Mas, coitado, não deu certo por causa do seu temperamento político! O governo português considerou-lhe impróprio para a função. Detalhe, desistiu dos estudos e até hoje ele é mais ou menos um semi-alfabetizado.

Minha mãe, Emília Zangui, era a filha mais linda de sua família. É até engraçado que eu tenha nascido dela. Mas não posso dizer muita coisa dela, pois faleceu quando eu apenas contava cerca de 4 anos de idade. Mas foi, dizem, uma mulher que o mundo não teve uma segunda igual. Sua inclinação e amorosa dedicação à família, sobretudo aos filhos, não lhe permitiu sequer envolvimento nos negócios do marido. Era doméstica, e para a comunidade professora de tear e bordar! Aliás, vida dela era mesmo o campo, como companheira do meu pai em suas aventuras fazendeirescas.Nos padrões da cultura civil africana ela ia além do que se esperava de uma mulher naquele tempo. Teve um filho sozinha, sem ninguém por perto para ajudá-la. Teve gêmeos duas vezes, e na segunda vez alguma coisa saiu errado. Os "médicos" não conseguiram resolver o problema e morreu um dia depois. Mas os filhos nascidos sobreviveram, vindo o menor a falecer alguns meses apenas! Esta foi a mãe que eu tive!

Aos 6 anos de idade juntei-me a meus irmãos para começar os estudos na escola mais próxima da fazenda, em 1973. Suas histórias de estudante me fascinavam, por isso fui mais cedo. Como só eram admitidas na escola crianças depois dos 7 anos, eles falsificaram minha idade na cédula de identidade familiar para driblar o sistema. Tornei-me imediatamente o querido dos dois professores mais famosos e temidos da escola, cujos nomes lembro até hoje: professor Souza, um homem de menos de 1,5 metros de altura mas implacável, e Julião Atuto, que gozava a fama de comer corações de crianças! Auto-apelidado de Atuto Mata Branco e Sai Sangue, dele corria a lenda de que comprava dos feiticeis todos os corações das crianças que morriam na aldeia, e que ir contra sua autoridade representava o risco de apressar a própria morte por obra dos feiticeis a serviço de sua gula por carnes humanas. Era ele o diretor da escola, o mais velho, que também ensinava os professores da escola da aldeia com formação abaixo do exigido. A estes punia com o mesmo rigor que fazia com todos os demais estudantes "burros", infratores ou desafetos na própria família. Lembro-me de uma experiência naquela escola que dá uma idéia do gênio do indivíduo. Certo dia houve um assalto ao pomar da escola à madrugada. O campus era cheio de laranjeiras, tangerineiras, mangueiras, dendezeiros e limoeiros, e era proibido aos alunos o usufruto dos seus frutos. A aldeia de aproximadamente 8 kilômetros de estensão no comprimento, possuia árvores frutíferas de todas as matizes, dispostas em fileiras e em espécie ao longo de alguns intervalos da geografia da aldeia: mangueiras, tangerineiras, coqueiros, dendezeiros, limoeiros, abacateiros... O usufruto de todas elas era livre a todos. Mas todas as frutas dentro dos muros do recinto escolar, eram apenas para a economia da escola. Comerciantes portugueses comprovam-nas todos os finais de semana para exportação. Numa manhã, entretanto, o campus amanheceu cheio de cascas e restos de frutas colhidas do pomar escolar. O professor Julião Atuto então fez convocar todos os alunos no anfitiatro. E lá ele distribuiu trinta clássicas palmatórias a cada um dos mais ou menos 600 estudantes. Como criança a cena me estarreceu tanto que nào consegui esquece-la até hoje. Batia nas palmas da mão, dos pés, no traseiro ou em qualquer outra parte do corpo ao sinal de exaustão por dor do apanhando. Mas ele gostou de mim e por minha causa se tornou amigo do meu pai. Passou então a esperar de mim o melhor em relação a todos os estudantes de minhas classes, quer fosse ensinado por ele ou não! Não obstante o caráter polêmico desta tese, algo me obriga a acreditar que o medo que sua atenção me causava fizera de mim um brilhante estudante.

Eu tinha 10 anos quando a revolução angolana triunfou para a independência dos portugueses em 11 de novembro de 1975. Imediatamente começou a guerra civil que tornou minha região literalmente uma zona de guerra e obrigou os seus habitantes a abandonar suas casas para viver de refúgio em refúgio, tanto em aldéias quanto em fazendas ou matagais. Minha família mudava de fazenda em fazenda, das quatro que meus pais possuiam em diferentes e longinquas regiões, durante quase um ano. Nesse mesmo período decidira implementar um programa revolucionário de educação, deslocando as escolas e os profissionais ao encontro do povo nas fazendas. Os professores eram remanejados pelo país inteiro para fazer uma segunda guerra, como era chamada o combate ao analfabetismo herdado apenas findo passado colonial. Os professores eram também combatentes e, como os verdadeiros soldados nos campos de batalha, sem salário e sem privilégios. Esta é a época mais imemorável dos meus anos de estudos primários. Foram 3 anos mais aprendendo "nos matagais" as lições de matemática, aritmética, lingua portuguesa, ciencias e, é claro, educação política revolucionária marxista. As aulas de educação física para todos os estudantes de todas as idades, tanto rapazes quanto meninas, constavam de técnicas de combate, canções revolucionárias, palavras de ordem e solenidades à bandeira. Eu era bom estudante em tudo, mas me saí melhor na educação política. Talvez por causa de minha perspicácia e notas altas, os professores me distinguiam sempre com "postos de comando" entre os colegas. O meu caminho para a vida começava a se escreve: um entre os ativistas políticos populares.

Foi assim que em 1978 deixei tal situação para a capital do distrito chamada Cangola, para começar estudos secundários. Dois anos depois recebi a formação secundária, e era já então um distinto jovem líder de uma organização de massas do Partido socialista angola, a Organização dos Pioneiros de Angola (mais tarde: ... de Agostinho Neto), OPA. Viajei no ano seguinte para a capital da Província do mesmo nome, Uige, para começar os estudos do terceiro nível. Mas estes começariam apenas dois anos depois em Luanda, depois de participar de uma caravana da OPA em visita a Cuba em 1980.

As condições sociais de Luanda naqueles anos ainda não refletiam a nova guerra civil que destruia o interior do país em quase todos cantos. Ainda tinha aparência de ser a segunda capital do mundo português fora de Lisboa. Predominava a vida acadêmica intensa e a milatância das massas populares representadas por organismos de todas as representações populares: classe trabalhadora (Unuião Nacional dos Trabalhadores de Angola-UNTA), mulheres (Organização da Mulher Angolana-OMA), adolescentes (Organização dos Pioneiros de Angola-OPA), juventude (Juventude do Movimento Popular de Libertação de Angola-JMPLA), etc. Depois de 3 anos de militância ativa na OPA, em 1981 fui recebido oficialmente na executiva provincial de Luanda da JMPLA, então sedeada na escola em que estudava. Tinha então 15 anos de idade! Por volta dessa época, já aposentara havia anos a fé cristã que, tendo sido de berço, me acompanhava desde a infância e mesmo em meio a minhas primeiras arremetidas políticas. Tornei-me um jovem político convicto, representante dos ideais acalentados por jovens que veneravam o partido (MPLA), o presidente, os heróis da revolução socialista dentro e fora do país. Convivia com jovens que cuspiam na cara das imagens de Cristo e exaltava símbolos internacionais como Marx, Lênin, Fidel Castro, Kwame Krumah, Ché Guevara, Patrice Lumumba, entre outros heróis! Tinha então me tornado um comunista por "convicção".
 
 




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